O governo federal está negociando a retomada de trilhos abandonados da malha ferroviária nacional e essa ação, caso concluída, terá impacto no Ceará. Segundo a Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), no Estado, as linhas que são objeto do pedido de devolução da concessionária Ferrovia Transnordestina Logística (FTL) para a União coincidem com o eixo da nova ferrovia que está sendo construída pela TLSA, a nova Transnordestina. Assim, a ação indicaria um "potencial impacto significativo na infraestrutura ferroviária local".
As tratativas em andamento usam como base um estudo feito pela ANTT e pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), que avalia o pedido de devolução das linhas férreas feito pela FTL, totalizando aproximadamente 3 mil quilômetros.
A retomada dos trechos geraria também uma indenização. Porém, o valor, ainda conforme a ANTT, está sendo apurado pelo DNIT, "responsável pelo cálculo, visto que é o proprietário dos bens herdados da antiga Rede Ferroviária Federal S/A".
Uma das formas de reutilização dessa malha que estaria subaproveitada ou completamente abandonada seria para o transporte de passageiros. A reportagem tentou confirmar com fontes ligadas ao assunto se o trecho do Ceará seria um de 600 km que faz ligação entre Fortaleza e a região do Crato, como o Diário do Nordeste mostrou em julho, mas não obteve respostas. Sobre isso, a ANTT só afirma que "a destinação final das linhas que vierem a ser devolvidas é uma definição de política pública a cargo do Ministério dos Transportes".
Uma das possibilidades é a devolução do trecho
O Ministério dos Transportes criou um grupo de trabalho, por meio da Portaria nº 386/2024, para buscar uma solução consensual para a otimização da malha outorgada à FTL e, entre as possibilidades em análise, está a devolução de parte desta infraestrutura à União.
Paralelamente, de acordo com o ministério, o Governo Federal, via Infra S.A. (empresa pública, sob a forma de sociedade por ações, controlada pela União através do Ministério da Infraestrutura, com foco na prestação de serviços de planejamento, estruturação de projetos, engenharia e inovação para o setor de transportes) conduz uma série de estudos para avaliar o potencial da malha ferroviária existente e as novas vocações das áreas de operação.
“No caso do Ceará, está em estudo a modernização da linha atualmente em operação, que chega ao Porto de Mucuripe (Fortaleza). Também seguem as obras da Ferrovia Transnordestina, concessionada à TLSA, em substituição à antiga linha tronco sul”.
Além disso, também são conduzidas tratativas junto às empresas a fim de realizar o encontro de contas e análise das condições dos trechos que podem ser alvo de devolução.
Ao todo, no País, há mais de 11,1 mil quilômetros de trilhos para serem devolvidos e o valor potencial dessas indenizações chega a cerca de R$ 20 bilhões. Esse recurso estaria sendo alvo de disputa entre ministérios, já que o de Transportes gostaria de tê-lo para ser reinvestido no próprio setor ferroviário, enquanto o da Fazenda gostaria de usar para fechar as contas do déficit fiscal do governo.
Hoje, o equivalente a 36% das ferrovias do país virou sucata, e as atuais concessionárias terão de indenizar os cofres públicos para poderem renovar seus contratos com a União. Conforme matéria da Folha de São Paulo, a estimativa se dá por conta do valor de cada quilômetro de ferrovia hoje inutilizada, que poderia gerar uma indenização média de R$ 1,5 milhão a R$ 2 milhões, com variações para cima ou para baixo, dependendo da complexidade de cada caso.
Segundo Heitor Studart, coordenador do Núcleo de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), a entidade tem um planejamento estratégico sobre esse assunto, que considera “um importante eixo estruturante para o desenvolvimento da indústria cearense e alavancagem dos portos do Pecém e do Mucuripe”.
"São prioridades nossas, a conclusão da Transnordestina Logística (TLSA), a retomada da concessão e finalização da FTL, que é a antiga Transnordestina e suas ligações com a Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) e Ferrovia Norte-Sul (FNS), que por sua vez está integrada a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) e a Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico). De forma que a Fiec busca firmemente esse projeto para que o setor ferroviário do Estado de Ceará seja integrado a uma malha ferroviária nacional”.
Assim, ele considera “importantíssima a tomada de decisão do Ministério dos Transportes e do Governo Federal no sentido de antecipar as inovações, soltar novas concessões, mesmo que sejam em short lines (ferrovias para o transporte de passageiros, conectando cidades próximas em linhas curtas), que possam trazer essa integração”.
Studart ainda reforça que o planejamento de se receber R$ 20 bilhões em indenizações só é salutar se for para reinvestir no setor ferroviário. “A grande dúvida do setor industrial e dos operadores do modal é que há uma briga, uma queda de braço com o Ministério da Fazenda no sentido de puxar esses recursos para fechar as contas do déficit fiscal do governo, aí não se resolve nada”.
“A nossa luta é que esse fundo, esse recurso obtido no setor ferroviário, seja reinvestido todo no modal ferroviário que é de fundamental importância para o futuro da logística e estrutura do Brasil, pensando inclusive no HUB do hidrogênio verde”, completa o especialista.
Sobre a devolução de 3 mil km de ferrovias - parte deles no Ceará - que compõem a concessão da Ferrovia Transnordestina Logística (FTL), a empresa afirma que a ação vem sendo discutida com o Governo Federal, dentro do grupo de trabalho criado para tratar do processo de renovação da concessão da FTL. Este grupo é liderado pelo Ministério dos Transportes e tem participação da ANTT, INFRA e DNIT.
“Estes trechos foram originalmente idealizados para transporte de passageiros e não receberam investimentos antes da concessão. Vários deles (nesse período anterior) já apresentavam inviabilidade operacional e comercial, com sérios riscos de acidentes, impossibilitando a operação de trens de carga. Depois, vários desastres naturais causaram severos danos à estrutura implantada. Assim, logo após o início da concessão ou durante o curso do contrato deixou de haver circulação de carga nestes trechos”.
Porém, questionada, a empresa não informou, por meio de sua assessoria de imprensa, em quantos quilômetros o Ceará é impactado nessa tratativa e onde passariam esses quilômetros inutilizados.
Davi Barreto, diretor-presidente da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), afirma que todo o processo de devolução e indenizações pode evitar a ociosidade de infraestrutura e maximizar o uso dos ativos existentes.
Ele reforça que trechos atualmente não operacionais podem ser destinados à implantação de “short lines” por meio de chamamentos públicos, bem como destinados a outros fins que não o de exploração ferroviária plena para o transporte de carga, como, por exemplo, as opções “Ferroviárias Alternativas”, a qual são as explorações para transporte de passageiros e dos trens turísticos, ou ainda os “Usos Não Ferroviários”, quando ocorre a substituição do ramal ferroviário por cenários em que passam a existir outras atividades, de caráter urbanístico, econômico, social ou cultural. Como parques lineares, ciclovias, entre outros.
Ele ainda reforça, porém, que “com o intuito de criar um ambiente mais atraente e seguro para novos investimentos no setor, é importante priorizar a conclusão dos processos de prorrogações antecipadas dos contratos de concessão ainda pendentes, alinhada à implementação de uma política eficaz para a devolução de trechos ferroviários, que inclua a indenização justa dos ativos devolvidos e assegure que os recursos permanecem destinados ao próprio setor ferroviário”.